quinta-feira, março 31, 2011

Primeiro, você precisa saber o que quer!
:: Rosana Braga ::


Existe uma piadinha sobre um sujeito que entrou no elevador de um edifício e, ao ser questionado pelo ascensorista sobre para qual andar ele desejava ir, respondeu:
- Para qualquer um, senhor. Já estou no prédio errado mesmo...

Ou seja, quando não sabemos onde estamos e nem para onde estamos indo, qualquer lugar serve! E por mais absurda que possa parecer essa analogia com o quanto algumas pessoas estão perdidas, quando se trata de seus próprios desejos, pode acreditar que não é!

Muitas vezes, o desejo é tão amplo e genérico que a pessoa não consegue fazer escolhas, não consegue se sentir satisfeita com nada do que vive e a impressão que tem, na maior parte do tempo, é a de que existe um buraco dentro dela que se torna cada dia maior e mais difícil de ser preenchido.

Até faz novos contatos, conhece pessoas legais, inicia relacionamentos interessantes, experimenta momentos que lhe parecem bastante reais, mas... logo depois a sensação de que nada daquilo faz sentido retorna de forma ainda mais avassaladora.

Algumas vezes também acontece de estar vivenciando um encontro realmente especial, no qual ela se sente, enfim, parte de um todo que se encaixa, que finalmente lhe devolve aquela certeza de que depois da tempestade vem mesmo a bonança.

No entanto, sem mais nem menos, de repente, é o outro que simplesmente se desencanta e vai embora. Ou pior do que isso: sem sequer dizer o motivo ou dar qualquer explicação a que todo ser humano pensante teria direito, desaparece feito nuvem. E de novo, mais uma vez, a pessoa é remetida àquele lugar infernal onde a única resposta é que tudo se escafedeu! Assim, ridiculamente assim.

Se você já passou por isso, sabe o quanto é péssimo esse período da existência em que a gente passa a ter medo de falar, de se expressar, de respirar errado, de ir rápido ou devagar demais. Enfim, passa a acreditar que não sabe o que fazer para não estragar tudo, ou não deixar as coisas piores do que já estão...

Só que o problema é justamente esse: falta de posicionamento, de clareza, de percepção de seus recursos internos. Muito provavelmente, está faltando planejamento, uma rota detalhada que aponte o caminho pelo qual você realmente deseja seguir. E assim, perdido, você passa a entrar de prédio em prédio, de elevador em elevador, descendo em diversos andares, sem nunca encontrar a porta, a sua porta!

Para viver o amor que você deseja, as experiências que sempre quis e conseguir aproveitar o melhor da vida, você precisa, antes de mais nada, saber o que quer. Refletir, questionar-se, perceber-se, aprender a diferenciar o que são seus verdadeiros sentimentos e o que não passa de ecos gritantes de sua ansiedade é fundamental para desenhar o mapa que o levará até o seu tesouro mais precioso.

Em vez de desperdiçar seus dias e suas flechas atirando para todos os lados, pare! Aquiete-se! Ouça seu coração, sua intuição. Olhe para os lados e vá descobrindo o que realmente faz sentido para você, o que realmente o faz feliz. O resto são apenas armadilhas. Mantenha-se atento e focado naquilo que quer e desvie dos perigos que, na maioria das vezes, são nossos próprios medos transformados em dificuldades.

E assim, sem se distrair, da próxima vez que for questionado sobre para qual andar deseja ir, você saberá exatamente o que responder. Daí pra frente, a surpresa fica por conta somente de tudo de bom que poderá experimentar...

quarta-feira, março 30, 2011

Entre o Amor e o Medo
:: Elisabeth Cavalcante ::

Nesta semana circulou na internet um vídeo muito especial. Nele, um garoto, vietnamita ou chinês, aparece respondendo a perguntas de uma interlocutora que não vemos na tela. Aparentemente trata-se de uma reportagem feita com crianças de uma escola, sobre o amor.

Ele confessa a esta pessoa que gosta de uma menina, mas que prefere deixar este sentimento em segredo por que acha que se o mundo tomar conhecimento do que sente por ela, vai rir dele. E, ao ser indagado do porquê ririam dele, e afirmou: "ela não gosta de mim".

Em seguida, surge a garota. A mesma interlocutora pergunta a ela qual o nome do seu melhor amigo e ela cita o nome do garoto. Então, lhe é perguntado se ela tem um namorado, ela diz que sim, e o garoto ali ao lado, olhando ansiosamente para sua amada.

Quando perguntam à garota, qual o nome de seu namorado, ela diz o nome dele, do menino. A expressão de felicidade no rosto dele é incrível, ele fica radiante ao descobrir que ela nutre por ele o mesmo sentimento.

O vídeo encerra com uma frase que diz mais ou menos assim: você pode escolher entre o amor e o medo. Ele mostra o quanto, desde muito cedo, desenvolvemos um dos sentimentos mais comuns entre os seres humanos, que é o medo de não ser amado, de não ser aceito como se é, de não conseguir o amor e a atenção de quem amamos.



Este medo, muitas vezes, nos leva a esconder nossos sentimentos e perder a oportunidade de conhecer a felicidade, simplesmente pelo receio de que nosso amor seja rejeitado.

Por que será que somos tão vulneráveis à rejeição de alguém? É claro que ao desejarmos uma pessoa, o ideal seria que ela também correspondesse aos nossos sentimentos.
Porém, quando isto não ocorre, certamente não é porque não temos nenhuma qualidade. O fato é que a atração entre as pessoas se dá por uma misteriosa força que a razão é incapaz de explicar.
Sendo assim, deveríamos -e alguns conseguem isto-, ter em mente que o melhor seria abrir o coração, deixar que a outra pessoa conheça o que sentimos.

Não deveríamos sentir vergonha de amar, mas, infelizmente, não é o que acontece para um grande número de pessoas. O ego as faz temer a rejeição, por se sentirem humilhadas quando o seu amor não é correspondido.
Mas a vida sempre nos surpreende quando aceitamos cada acontecimento como uma parte de nossa história, e não como algo definitivo. A rejeição de hoje, certamente se converterá em uma aceitação amanhã, desde que nos mantenhamos confiantes em nosso valor e absolutamente certos de que somos merecedores de amor.

Aprender a lidar com a frustração de nosso desejo, sem assumir o papel de vitima, ou de alguém inferior, é um dos maiores desafios no caminho do amadurecimento.

"... Uma vez que você aceite a vida em sua totalidade, as coisas começam a acontecer, porque essa aceitação total libera-o de seu objetivo de ego. Sua meta de ego é o problema, por causa dele, você cria problemas. Não há problemas na vida em si; a existência é sem-problema.

Você é o problema e é o criador do problema e cria problemas a partir de tudo. Mesmo se você encontrar Deus, você criará problemas a partir dele. Mesmo que você chegue ao paraíso, você criará problemas a partir do paraíso - porque você é a fonte original dos problemas. Você não irá se entregar. Esse ego que não se entrega é a fonte de todos os problemas.

Osho, Vigyan Bhairav Tantra.

segunda-feira, março 21, 2011

Minimamente feliz - A felicidade é mesmo um estado mágico e duradouro?

Leila Ferreira 

 

A felicidade é a soma das pequenas felicidades. Li essa frase num outdoor em Paris e soube, naquele momento, que meu conceito de felicidade tinha acabado de mudar. Eu já suspeitava que a felicidade com letras maiúsculas não existia, mas dava a ela o benefício da dúvida. Afinal, desde que nos entendemos por gente aprendemos a sonhar com essa felicidade no superlativo. Mas ali, vendo aquele outdoor estrategicamente colocado no meio do meu caminho (que de certa forma coincidia com o meio da minha trajetória de vida), tive certeza de que a felicidade, ao contrário do que nos ensinaram os contos de fadas e os filmes de Hollywood, não é um estado mágico e duradouro.

Na vida real, o que existe é uma felicidade homeopática, distribuída em conta-gotas. Um pôr-de-sol aqui, um beijo ali, uma xícara de café recém-coado, um livro que a gente não consegue fechar, um homem que nos faz sonhar, uma amiga que nos faz rir. São situações e momentos que vamos empilhando com o cuidado e a delicadeza que merecem alegrias de pequeno e médio porte e até grandes (ainda que fugazes) alegrias. 'Eu contabilizo tudo de bom que me aparece', diz Fabiana, também adepta da felicidade homeopática. 'Se o zíper daquele vestido que eu adoro volta a fechar (ufa!) ou se pego um congestionamento muito menor do que eu esperava, tenho consciência de que são momentos de felicidade e vivo cada segundo.

Elis conta que cresceu esperando a felicidade com maiúsculas e na primeira pessoa do plural: 'Eu me imaginava sempre com um homem lindo do lado, dizendo que me amava e me levando pra lugares mágicos. Agora, viajando com frequência por causa de seu trabalho, ela descobriu que dá pra ser feliz no singular: 'Quando estou na estrada dirigindo e ouvindo as músicas que eu amo, é um momento de pura felicidade. Olho a paisagem, canto, sinto um bem-estar indescritível'.

Uma empresária que conheci recentemente me contou que estava falando e rindo sozinha quando o marido chegou em casa. Assustado, ele perguntou com quem ela estava conversando: 'Comigo mesma', respondeu. 'Adoro conversar com pessoas inteligentes' Criada para viver grandes momentos, grandes amores e aquela felicidade dos filmes, a empresária trocou os roteiros fantasiosos por prazeres mais simples e aprendeu duas lições básicas: que podemos viver momentos ótimos mesmo não  estando acompanhadas e que não tem sentido esperar até que um fato mágico nos faça felizes. Esperar para ser feliz, aliás, é um esporte que abandonei há tempos. E faz parte da minha 'dieta de felicidade' o uso moderadíssimo da palavra 'quando'. Aquela história de 'quando eu ganhar na Mega Sena', 'quando eu me casar', 'quando tiver filhos', 'quando meus filhos crescerem', 'quando eu tiver um emprego fabuloso' ou 'quando encontrar um homem que me mereça', tudo isso serve apenas para nos distrair e nos fazer esquecer da felicidade de hoje.

Esperar o príncipe  encantado, por exemplo, tem coisa mais sem sentido? Mesmo porque quase sempre os súditos são mais interessantes do que os príncipes; ou você acha que a Camilla Parker-Bowles está mais bem servida do que a Victoria Beckham?

Como tantos já disseram tantas vezes, aproveitem o momento, amigos. E quem for ruim de contas recorra à calculadora para ir somando as pequenas felicidades. Podem até dizer que nos falta ambição, que essa soma de pequenas alegrias é uma operação matemática muito modesta para os nossos tempos. Que digam.

Melhor ser minimamente feliz várias vezes por dia do que viver eternamente em compasso de espera.

 

Leila Ferreira é jornalista, apresentadora de TV e autora do livro 'Mulheres - Por que Será que Elas...', da Editora Globo.
Doidas e santas
Martha Medeiros

"Estou no começo do meu desespero/e só vejo dois caminhos:/ou viro doida ou santa". São versos de Adélia Prado, retirados do poema A Serenata. Narra a inquietude de uma mulher que imagina que mais cedo o ou mais tarde um homem virá arrebatá-la, logo ela que está envelhecendo e está tomada pela indecisão - não sabe como receber um novo amor não dispondo mais de juventude. E encerra: "De que modo vou abrir a janela, se não for doida? Como a fecharei, se não for santa?".

Adélia é uma poeta danada de boa. E perspicaz. Como pode uma mulher buscar uma definição exata para si mesma estando em plena meia-idade, depois de já ter trilhado uma longa estrada onde encontrou alegrias e desilusões, e tendo ainda mais estrada pela frente? Se ela tiver coragem de passar por mais alegrias e desilusões - e a gente sabe como as desilusões devastam - terá que ser meio doida. Se preferir se abster de emoções fortes e apaziguar seu coração, então a santidade é a opção. Eu nem preciso dizer o que penso sobre isso, preciso?

Mas vamos lá. Pra começo de conversa, não acredito que haja uma única mulher no mundo que seja santa. Os marmanjos devem estar de cabelo em pé: como assim, e a minha mãe???

Nem ela, caríssimos, nem ela.

Existe mulher cansada, que é outra coisa. Ela deu tanto azar em suas relações que desanimou. Ela ficou tão sem dinheiro de uns tempos pra cá que deixou de ter vaidade. Ela perdeu tanto a fé em dias melhores que passou a se contentar com dias medíocres. Guardou sua loucura em alguma gaveta e nem lembra mais.

Santa mesmo, só Nossa Senhora, mas cá entre nós, não é uma doideira o modo como ela engravidou? (não se escandalize, não me mande e-mails, estou brin-can-do).

Toda mulher é doida. Impossível não ser. A gente nasce com um dispositivo interno que nos informa desde cedo que, sem amor, a vida não vale a pena ser vivida, e dá-lhe usar nosso poder de sedução para encontrar "the big one", aquele que será inteligente, másculo, se importará com nossos sentimentos e não nos deixará na mão jamais. Uma tarefa que dá para ocupar uma vida, não é mesmo? Mas além disso temos que ser independentes, bonitas, ter filhos e fingir de vez em quando que somos santas, ajuizadas, responsáveis, e que nunca, mas nunca, pensaremos em jogar tudo pro alto e embarcar num navio-pirata comandado pelo Johnny Depp, ou então virar uma cafetina, sei lá, diga aí uma fantasia secreta, sua imaginação deve ser melhor que a minha.

Eu só conheço mulher louca. Pense em qualquer uma que você conhece e me diga se ela não tem ao menos três dessas qualificações: exagerada, dramática, verborrágica, maníaca, fantasiosa, apaixonada, delirante. Pois então. Também é louca. E fascina a todos.

Todas as mulheres estão dispostas a abrir a janela, não importa a idade que tenham. Nossa insanidade tem nome: chama-se Vontade de Viver até a Última Gota. Só as cansadas é que se recusam a levantar da cadeira para ver quem está chamando lá fora. E santa, fica combinado, não existe. Uma mulher que só reze, que tenha desistido dos prazeres da inquietude, que não deseje mais nada? Você vai concordar comigo: só sendo louca de pedra.

segunda-feira, março 14, 2011


Carta do Zé agricultor

 
A carta a seguir - tão somente adaptada por Barbasa Melo - foi escrita por Luciano Pizzatto que é engenheiro florestal, especialista em direito sócio ambiental e empresário, diretor de Parque Nacionais e Reservas do IBDF-IBAMA 88-89, detentor do primeiro Prêmio Nacional de Ecologia.

Prezado Luis, quanto tempo.

Eu sou o Zé, teu colega de ginásio noturno, que chegava atrasado, porque o transporte escolar do sítio sempre atrasava, lembra né? O Zé do sapato sujo? Tinha professor e colega que nunca entenderam que eu tinha de andar a pé mais de meia légua para pegar o caminhão por isso o sapato sujava.
Se não lembrou ainda eu te ajudo. Lembra do Zé Cochilo... hehehe, era eu. Quando eu descia do caminhão de volta pra casa, já era onze e meia da noite, e com a caminhada até em casa, quando eu ia dormi já era mais de meia-noite. De madrugada o pai precisava de ajuda pra tirar leite das vacas. Por isso eu só vivia com sono. Do Zé Cochilo você lembra né Luis?
Pois é. Estou pensando em mudar para viver ai na cidade que nem vocês. Não que seja ruim o sítio, aqui é bom. Muito mato, passarinho, ar puro... Só que acho que estou estragando muito a tua vida e a de teus amigos ai da cidade. To vendo todo mundo falar que nós da agricultura familiar estamos destruindo o meio ambiente.
Veja só. O sítio de pai, que agora é meu (não te contei, ele morreu e tive que parar de estudar) fica só a uma hora de distância da cidade. Todos os matutos daqui já têm luz em casa, mas eu continuo sem ter porque não se pode fincar os postes por dentro uma tal de APPA que criaram aqui na vizinhança.
Minha água é de um poço que meu avô cavou há muitos anos, uma maravilha, mas um homem do governo veio aqui e falou que tenho que fazer uma outorga da água e pagar uma taxa de uso, porque a água vai se acabar. Se ele falou deve ser verdade, né Luis?
Pra ajudar com as vacas de leite (o pai se foi, né .) contratei Juca, filho de um vizinho muito pobre aqui do lado. Carteira assinada, salário mínimo, tudo direitinho como o contador mandou. Ele morava aqui com nós num quarto dos fundos de casa. Comia com a gente, que nem da família. Mas vieram umas pessoas aqui, do sindicato e da Delegacia do Trabalho, elas falaram que se o Juca fosse tirar leite das vacas às 5 horas tinha que receber hora extra noturna, e que não podia trabalhar nem sábado nem domingo, mas as vacas daqui não sabem os dias da semana ai não param de fazer leite. Ô, bichos aí da cidade sabem se guiar pelo calendário?
Essas pessoas ainda foram ver o quarto de Juca, e disseram que o beliche tava 2 cm menor do que devia. Nossa! Eu não sei como encumpridar uma cama, só comprando outra né Luis? O candeeiro eles disseram que não podia acender no quarto, que tem que ser luz elétrica, que eu tenho que ter um gerador pra ter luz boa no quarto do Juca.
Disseram ainda que a comida que a gente fazia e comia juntos tinha que fazer parte do salário dele. Bom Luis, tive que pedir ao Juca pra voltar pra casa, desempregado, mas muito bem protegido pelos sindicatos, pelo fiscais e pelas leis. Mas eu acho que não deu muito certo. Semana passada me disseram que ele foi preso na cidade porque botou um chocolate no bolso no supermercado. Levaram ele pra delegacia, bateram nele e não apareceu nem sindicato nem fiscal do trabalho para acudi-lo.
Depois que o Juca saiu eu e Marina (lembra dela, né? casei) tiramos o leite às 5 e meia, ai eu levo o leite de carroça até a beira da estrada onde o carro da cooperativa pega todo dia, isso se não chover. Se chover, perco o leite e dou aos porcos, ou melhor, eu dava, hoje eu jogo fora.
Os porcos eu não tenho mais, pois veio outro homem e disse que a distância do chiqueiro para o riacho não podia ser só 20 metros. Disse que eu tinha que derrubar tudo e só fazer chiqueiro depois dos 30 metros de distância do rio, e ainda tinha que fazer umas coisas pra proteger o rio, um tal de digestor. Achei que ele tava certo e disse que ia fazer, mas só que eu sozinho ia demorar uns trinta dia pra fazer, mesmo assim ele ainda me multou, e pra poder pagar eu tive que vender os porcos as madeiras e as telhas do chiqueiro, fiquei só com as vacas. O promotor disse que desta vez, por esse crime, ele não ai mandar me prender, mas me obrigou a dar 6 cestas básicas pro orfanato da cidade. Ô Luis, ai quando vocês sujam o rio também pagam multa grande né?
Agora pela água do meu poço eu até posso pagar, mas tô preocupado com a água do rio. Aqui agora o rio todo deve ser como o rio da capital, todo protegido, com mata ciliar dos dois lados. As vacas agora não podem chegar no rio pra não sujar, nem fazer erosão. Tudo vai ficar limpinho como os rios ai da cidade. A pocilga já acabou, as vacas não podem chegar perto. Só que alguma coisa tá errada, quando vou na capital nem vejo mata ciliar, nem rio limpo. Só vejo água fedida e lixo boiando pra todo lado.
Mas não é o povo da cidade que suja o rio, né Luis? Quem será? Aqui no mato agora quem sujar tem multa grande, e dá até prisão. Cortar árvore então, Nossa Senhora!. Tinha uma árvore grande ao lado de casa que murchou e tava morrendo, então resolvi derrubá-la para aproveitar a madeira antes dela cair por cima da casa.
Fui no escritório daqui pedir autorização, como não tinha ninguém, fui no Ibama da capital, preenchi uns papéis e voltei para esperar o fiscal vim fazer um laudo, para ver se depois podia autorizar. Passaram 8 meses e ninguém apareceu pra fazer o tal laudo ai eu vi que o pau ia cair em cima da casa e derrubei. Pronto! No outro dia chegou o fiscal e me multou. Já recebi uma intimação do Promotor porque virei criminoso reincidente. Primeiro foi os porcos, e agora foi o pau. Acho que desta vez vou ficar preso.
Tô preocupado Luis, pois no rádio deu que a nova lei vai dá multa de 500 a 20 mil reais por hectare e por dia. Calculei que se eu for multado eu perco o sítio numa semana. Então é melhor vender, e ir morar onde todo mundo cuida da ecologia. Vou para a cidade, ai tem luz, carro, comida, rio limpo. Olha, não quero fazer nada errado, só falei dessas coisas porque tenho certeza que a lei é pra todos.
Eu vou morar ai com vocês, Luis. Mais fique tranqüilo, vou usar o dinheiro da venda do sítio primeiro pra comprar essa tal de geladeira. Aqui no sitio eu tenho que pegar tudo na roça. Primeiro a gente planta, cultiva, limpa e só depois colhe pra levar pra casa. Ai é bom que vocês e só abrir a geladeira que tem tudo. Nem dá trabalho, nem planta, nem cuida de galinha, nem porco, nem vaca é só abri a geladeira que a comida tá lá, prontinha, fresquinha, sem precisá de nós, os criminosos aqui da roça.
Até mais Luis.
Ah, desculpe Luis, não pude mandar a carta com papel reciclado pois não existe por aqui, mas me aguarde até eu vender o sítio.

(Todos os fatos e situações de multas e exigências são baseados em dados verdadeiros. A sátira não visa atenuar responsabilidades, mas alertar o quanto o tratamento ambiental é desigual e discricionário entre o meio rural e o meio urbano.)